A Caneta Reveladora
Anne foi até a sala e acendeu a luz. Correu os olhos buscando a bolsa companheira das idas e vindas em sua rotina de trabalho. Abriu delicadamente o zíper, e a encontrou. Segurando em sua mão deu um sorriso maroto, e ficou como se desenhasse no ar, talvez orquestrando alguma música tocada na mente. Poderia ser que estivesse usando-a como varinha mágica. Desejos não lhe faltavam para realizar!
Cessou a brincadeira de súbito. O rosto perdera a expressão risonha. Dava para ver a transição repentina. Qual pensamento teria ocorrido para a mudança de humor?
No canto da sala estava a escrivaninha. Em passos suaves caminhou até ela. Puxou a cadeira e se acomodou em silêncio por alguns instantes. Olhou hesitante para o caderno disposto sobre a mesa, depois puxou para mais perto de si, virou uma folha e escreveu algumas frases. Ouviu o toque do celular, que estava no quarto, foi buscá-lo. Seus olhos estavam brilhantes, denunciando ser alguém muito estimado.
A caneta, que buscara momentos antes, havia sido um presente dele. Quando a entregou, dissera que lhe daria muita sorte, e que assinaria importantes contratos com ela. Ben não sabia, mas Anne havia feito um acordo secreto com a caneta. Mentalmente a considerou peça mágica, e que esperaria pelo retorno do amado enquanto a tinta durasse. A falta de tempo para encontros e os constantes compromissos fora da cidade minava a relação. Precisava da presença, porque o vazio da ausência incomodava demais. Quando o homem falou sobre saudades, Anne não se conteve e disse:
- A tinta está acabando...
Imaginando ser algo concreto, Ben prontificou-se em levar cartuchos tão logo fosse possível. Anne pensou interrompê-lo, mas desistiu.
Depois de terem se despedido, a produtora registrou as últimas palavras antes que não houvesse mais líquido para continuar. O que não teve coragem de dizer ao amado, depositou no papel.
Não me refiro à tinta! Fiz uma analogia. Havia acordado comigo mesma de que a caneta marcaria o fim da sua espera. A tinta simboliza, na minha concepção, a esperança. O cartucho quase vazio me avisa: tinta secando; assim como chance de ficarmos juntos, também está acabando.
Foram de fato as últimas letras escritas, antes que a caneta tivesse emudecido em plenitude. Anne sentiu um aperto no coração e vontade enorme de chorar. Foi interrompida pelo toque do interfone.
Era o Ben! Estava de volta. Que surpresa maravilhosa ele fez! Em sua mão havia cartuchos para recarregar a caneta, e a sua presença preenchia novamente de esperança, o coração da amada!
Caneta mágica! Acreditou Anne.