A SENSATEZ DO SILÊNCIO (BVIW)
Todo início de noite era assim. Alicinha, puro estresse de calor do Rio e das lutas diárias, explodia por algum motivo. Nessa noite foi a ausência do filho.
- Marynnette, cadê o moleque do seu irmão?
- Sei lá, mãe! O filho é meu? Vai procurar, eu hein...
- Que conversa é essa, sua atrevida! Nem bem saiu das fraldas, e me respondendo assim? Vai até a casa do Cadu, Deco deve estar jogando Free Fire!
Não deu prazo da menina ir à busca do sumido. Na favela as casas são quase que geminadas dando impressão de serem continuações umas das outras. Tudo muito junto, todo mundo se fala, tudo mundo se escuta, se respeita e participa dos fatos uns dos outros. Nesse zunzunzum da Alicinha, o telefone sem fio da comunidade entrou em ação. A notícia da zanga da mãe chegou mais velox que mensagem de whatsapp. Deco varou a porta da casa indo direto para o banho, evitando o Sermão do Morro que a mãe daria.
Na casa da Alicinha era assim, ela até conseguia tolerar umas artes ou atrasos dos filhos, mas jamais que a respondessem, como fez Marynnette. Por isso quem levou a pior foi ela. O passeio que faria estava suspenso, porque a mãe quis ensiná-la a se conter, para que na vida fora de casa não se tornasse abusada no colégio nem nos futuros empregos. Alicinha bem sabia, se não tivesse lábia firme, os filhos poderiam tomar rumos incertos.
Marynnette ouviu a bronca, saiu esbravejando, e chutou a cadeira antes de ir para o quarto. A mãe pensou em ir atrás, daria uma punição maior, mas estava olhando o céu pela janela, a Lua tão linda e brilhante engoliu sua língua e sua zanga, deixando-a em silêncio.
Em certos momentos é preferível ignorar atitudes indelicadas. Nem tudo se pode controlar. A rebeldia própria da idade faz parte do crescimento, por isso Alicinha se fez de surda dessa vez. Ficou um tempo meditando: Se palavras apressadas retornassem para dentro da boca ou ficassem apenas no pensamento, quantos estragos seriam evitados...