Djanira Luz dj@
As Palavras Que Criam Vida...
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Imagem do meu arquivo pessoal. "Prato de recordações - Cocada preta da vó baiana"


ALÉM DAS DOCES LEMBRANÇAS...




Acordei com o gosto na boca da cocada preta. Típica receita baiana que a vó Vicência trouxe na mala quando veio para o Rio passar um tempo na casa dos meus pais. Engraçado é que não como cocada feita por vovó há décadas, mas o sabor é atual na minha lembrança...  Lembro-me bem da sua passagem por nossas vidas. A casa cheirava novos aromas. Patchouli
para lavagens das roupas. Lavanda para perfumar o corpo. Muita canela e cravos para os doces caseiros, além do dendê e leite de coco para as moquecas tão gostosas!


Acho que todo mundo tem saudade de alguma boa receita. Seja da mãe, pai, avó, nona, tia, irmã, não importa. Em algum momento bate na memória o desejo de saborear aquele doce ou salgado maravilhoso que os anos não apagam o gosto.

É bem verdade que lembranças boas são doces. Quero dizer, doce no sentido bom de se lembrar. Pensando assim, acabo de ser invadida com outra recordação. Um dia mamãe dissera que faria um doce de mamão para sua mãe. Fiz cara de repúdio ouvindo-a dizer aquilo e opinei:

-Credo, mãe, doce de mamão? Que coisa mais nojenta!

Acontece quando pronto, espiei-o na panela e não resisti em provar porque me pareceu tão bonito.Tinha aparência de cocada, mas era transparente e a calda grossa pedia para entrar na minha boca. Quando mamãe foi encher o pote com o doce para vovó, ficou espantada, pois eu havia comido muuuuita coisa! Ela ainda ficou curtindo comigo:

 “- Eu não vou comer essa coisa...” 

Pois é, mamãe! Doce de mamão ralado tornou-se um dos doces caseiros mais apreciados por mim.

Bem, voltado para a cocada preta, a vó quebrava o coco. Porque coco tinha que ser natural, do contrário a cocada daria errado. E a rapadura precisava ser especial. Por isso que ela trouxera algumas da Bahia.


A mente da gente é algo mesmo maravilhoso! Enquanto escrevo vejo vovó ralando o coco, depois despejando a rapadura em lascas na panela, mexendo-a levemente até que seja transformada em melado. Aí ela acrescentava aos poucos o coco e um punhado de cravos-da-índia e fica mexendo e mexendo e mexendo até o ponto certo.

Ai, como era difícil esperar pelo tal do ponto certo! O cheiro tentava-me parecendo dizer “prova-me, prova-me, prova-me”. Mas eu sabia que depois de pronto ainda teria que esperar muito até que esfriasse para finalmente degustar aquela iguaria. A minha boca salivava tanto de vontade que eu mais parecia o nosso cão Lobo, um Deutscher Schäferhund (Pastor-Alemão).

Nossa! Valeu mesmo esperar o tempo do preparo, pois ficara divina a cocada preta da vó baiana! A gente a comia de colher. E, depois da vovó, ninguém mais teve mão boa para essa cocada. Então eu, sua neta com muita pimenta, dendê e sangue baiano nas veias, atrevi-me a experimentar a receita que não tenho escrita em uma folha, mas gravada na memória desde meus sete anos de idade.

O cheiro, a aparência, o gosto me transportaram para décadas e décadas atrás no momento em que subia da panela seu aroma. Talvez não tenha ficado do jeito especial com o tempero certo de anos das mãos habilidosas e treinadas da vó baiana. Sei, porém,  enquanto preparava a cocada, eu trazia para perto de mim muito mais do que os cheiros e ingredientes da cocada. Era vovó que estava junto comigo na minha doce saudade das suas receitas de quitutes, de carinho e de vida...
 

 
Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 04/09/2011
Alterado em 05/09/2011
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