Djanira Luz dj@
As Palavras Que Criam Vida...
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                                      Imagem retirada da busca Google

NEM COM O TEMPO
...

 
Por mais que se queira, por mais que se tente, esquecer aquela fase
da vida, sobretudo se foi, digamos, “dura”, nem com o tempo ela sai das nossas lembranças. Parece até tentação, quanto mais se quer esquecer, mais viva fica na memória. E com Joel não haveria de ser diferente:

- Tenho uma bronca de ver essas fotos! Rasga mãe! Toca fogo nisso! Ô época mais desgraçada da vida... – Resmungou Joel.

- Não adianta rasgar, queimar, jogar fora as fotos quando elas estão vivas na memória... – Dona Yara disse ao filho.

Não sei por que, mas mãe parece ter um livrinho de filosofia no bolso.
Toda mãe que se preze tem sempre uma liçãozinha de moral para dar
aquele filho meio enjoado e um tanto rebelde. Normalmente as famílias
têm um parente assim ou até mais.

-Tá, tá, tá, mãe! Chega de lenga-lenga! Sempre a mesma “encheção de saco” com essas lições moralistas ultrapassadas!!! – Irritou-se Joel.

- Que isso, rapaz!? Não é por que se tornou doutor de merda que vai faltar com o respeito com sua mãe! – Repreendeu o pai Argemiro.

Percebendo que havia perdido o controle, Joel abaixa a cabeça. Com uma mão dentro do bolso do terno e a outra alisando os cabelos, como fazia nas vezes que reconhecia haver extrapolado justificou:

-Vai, mãe... Desculpa... É que nossa infância foi uma miséria desgraçada de ruim que tento a todo custo esquecer aquela fase da vida.

- Pra quê, meu filho? Olha para você hoje, um advogado renomado, tem um dos melhores escritórios da cidade! É até bom guardar uma foto para que veja como o tempo foi generoso... Haja vista a variedade de sapatos lindos que tem agora. Quanta diferença! – Lembrou dona Yara.

- Pois é! Sabe mãe... Eu sinto vergonha daquela época. Se eu pudesse
apagaria meu passado, esqueceria a fome que passamos, as festas que deixamos de ir por falta de uma roupa, pior que nem precisava ser roupa nova, não tínhamos roupas decentes, era tudo trapo remendado... Aquele humorista Marcius Melhen numa peça que assisti, disse uma coisa que me deixou chateado, mas era bem verdade,
“Pobre não troca de roupa, roupa é que troca de pobre. De pai pra filho...” – Joel confessou seu desagrado.

- Quando a situação está difícil, essa é a saída, é a medida que tomamos. – Disse o pai.

-Mãe... A senhora lembra aquele vez que a escola organizou uma excursão para o zoológico e eu não tinha nenhuma bermuda para poder ir, aí a senhora desmanchou aquela saia de xadrez preto e vermelho e fez uma bermuda até bacana. As meninas da turma me deram maior a atenção, aí eu gostei! – Joel nesse momento já achava até graça.
        

- Lembro, era tipo flanelado e ficou mesmo muito bonito. Valeu perder a
saia para lhe confeccionar a bermuda. Recordo ainda como você ficou
feliz naquele dia... – Dona Yara parecia emocionada ao relembrar aquela época de dureza na vida.


- Mas, tudo isso serviu para deixar nosso menino virar um doutor
brilhante! – Descontraiu o pai, percebendo a  feição entristecida da
mulher por recordar aqueles momentos difíceis que se viram obrigados a
enfrentar.

- É verdade, Argemiro! – Disse reanimando-se dona Yara.

- Pai, o senhor lembra do Dikinho, filho do gerente do banco e dono do Hotel Dominguez? – Quis saber Joel.

- Claro, meu filho! Triste sina daquele rapaz... – Seu Argemiro tinha no rosto uma expressão triste de compaixão.

Dikinho foi uma criança abastada, tinha de tudo. Os melhores brinquedos, as melhores roupas, as melhores amizades.

-Sabe pai, quando via Dikinho imaginava o futuro dele e tinha a
certeza de que ele seria um doutor como o pai que era advogado e
gerente do banco. E quando pensava em mim, acreditava que a minha vida seria de viver na lavoura ou que seria um pedreiro. Essas coisas que somos obrigados a seguir quando não temos oportunidades de estudar. Não fosse a mãe e o senhor eu estaria perdido feito Dikinho.

- É, meu filho... Não adianta ter dinheiro se não tiver cabeça. De que adianta ter bolso cheio de dinheiro se a mente está vazia... O Dikinho depois que o pai foi demitido do banco e se viu falido nos negócios de hotelaria, entrou em desespero porque não aguentava ficar sem dinheiro. Acostumado a todo tipo de luxo e supérfluo, como a fonte do pai secou, ele procurou o caminho mais “fácil” para conseguir dinheiro que foi com o vício e tráfico das drogas. Uma pena, pobre rapaz... – Compadeceu-se dona Yara.

-Quantas vezes ele zombou das minhas roupas, dos meus sapatos e até bagaço de laranja já jogou na minha cara quando me chamava de lixo... – Recordou Joel.

-Viu! De nada adiantaram as pilhérias. No fim, você venceu, graças as Deus! - Dona Yara ainda continuou:

- Joel, meu filho, você sabe viver do lado da fartura, mas pessoas ricas quando perdem tudo, geralmente não conseguem viver modestamente como você viveu. Se você tiver que passar por uma necessidade, ainda se manterá erguido. Agora, algumas pessoas afortunadas não sabem viver como pessoas simples. É por isso que muitas pessoas buscam o meio ilegal para se beneficiarem outra vez.

-É, mãe... Pensando assim, já nem me importo tanto que a senhora guarde aquela velha fotografia. Às vezes é bom mesmo olhar para trás para valorizar o hoje e tentar melhorar ainda mais o amanhã.

-Sim, Joel querido, há coisas que nem o tempo consegue apagar. E acho que não deveria mesmo. Só valorizamos mais as coisas quando recordamos a dificuldade que foi para conquistar os bens atuais. Tudo conquistado com lágrimas, dificuldade. Mas, acima de qualquer coisa, com caráter, dignidade e ética.
 
 
 
 

Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 17/03/2009
Alterado em 12/01/2010
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