Djanira Luz dj@
As Palavras Que Criam Vida...
Textos
MENINOS ABELHUDOS!!!
Moro numa cidade onde ainda existe tempo para contar uns causos. Sou conhecido como o Zé da pinga. Não que eu seja pinguço. Nada disso! Eu só bebo água e não é água ardente, é água mesmo e suco de fruta natural. Mas, eu trabalhei muitos anos no Alambique Firulla, uma fábrica de cachaça. Fui gerente muitos anos lá e o pessoal tinha que me dá um apelido, e de José Atanásio Fernadez de Francesco, fui reduzido a Zé da pinga. Não adiantou minha mãe querer me dar nome de doutor... Mas, essa é uma prosa para um outro dia.

Não havia meio... Por mais que o pai ameaçasse, a mãe orientasse, a vó aconselhasse, a tia alertasse, a vizinha avisasse; Cael e João Victor pareciam não ouvir. A tentação sempre falava mais alto!

Cael e João Victor eram vizinhos, pareciam mais irmãos gêmeos. Nunca vi cabeças mais desparafusadas de moleques do que as deles! Dava a impressão que na hora de receber a dose de medo no céu, eles saíram da fila.

É... Conta os antigos que antes da gente nascer, precisamos passar por várias filas para receber as características tais como: Bondade, Amor, Compaixão, Fé, Esperança, Beleza, Ética, Honestidade, entre outras coisas. Quando a gente vê uma pessoa muito bonita na rua, é porque ela deve ter exagerado lá na fila da Beleza. E acho também que os políticos deixaram de passar em várias delas, pois estão faltando muitos adjetivos neles...

Bem, aqueles moleques, o Cael e João Victor adoravam favo de mel. Pareciam filhotes de urso. Aliás, urso mesmo era como o povo chamava o Jardel Gulhões, dono de um apiário invejado pelos meninos. De vez em quando, aqueles malandrinhos davam um jeito de surrupiar uns favos de lá. Com aquelas carinhas de anjos famintos, seduziam as funcionárias e saíam de lá lambuzados de mel. Anjos...  “Quem não te conhece que te compre”, bem dizia minha mãe. De anjos só mesmo a cara deles... Se as funcionárias tivessem olhos de raios-X ficariam era de cabelos em pé!

Essa mordomia durou até o dia em que o Jardel Gulhões voltou mais cedo para fábrica e encontrou com os meninos bem à vontade, debaixo do pé de jambo saboreando o precioso mel das suas amadas abelhas. Não deu outra:

- Que diabo é esse aqui? Quem autorizou vocês entraram aqui e pra ficar abusando do meu mel?

Bem que Cael e João Victor tentaram correr dali. Jardel foi mais rápido e segurou os dois meninos pelos braços. Cael de sete anos e João Victor de nove. Pouca idade, porém, muita esperteza:

- Ô seu Jardel... – Começou João Victor. – Esses favos estavam com defeitos e iam para o lixo, eu e meu amigo estávamos indo comprar bolacha para minha mãe e vi quando a funcionária ia jogar fora e pedi para ela não fazer isso não que é um pecado danado...

- Olha aqui seu moleque duma figa! Olha bem para meu rosto, tá vendo algum nariz de palhaço? – Urrou Jardel Gulhões, o urso.

- Não, senhor! – Responderam, em coro, os meninos.

A voz do Jardel era tão grossa que fazia eco dentro dos corpos daqueles moleques franzinos. Os meninos chegavam a trepidar.

- Vocês não veem palhaços aqui... Mas, eu vejo dois abusados querendo me fazer de bobo! Se eu pegar mais uma vez os dois, mesmo que seja na porta do meu apiário, vocês irão se arrepender e ao invés de ficar lambendo os beiços de mel, vão é sentir um gosto amargo na boca da sova que vou lhes dar! E caiam fora daqui agora! – Nem precisava mandar, os meninos voaram dali.

Você acha que isso foi suficiente para inibir a vontade de saborear favos de mel? Nada... Menino tem memória temporária. Se vai até a cozinha buscar uma coisa, volta com outra ideia. Se vai até o banheiro fazer alguma coisa, já volta com um plano pronto para pôr em prática.

- Cael... Você tá com vontade de comer favo de mel? – Perguntou João Victor.

- Eu tô, João... Mas, nem adianta que eu não volto nunca mais na fábrica daquele urso raivoso. A promessa dele minha mãe diz que não é igual de político não... Se ele fala, ele faz! – Disse o pequeno Cael assustado.

- Não, eu sei! Mas, é em outro lugar... Lá na fazenda da Laje, do seu Teovaldo. Ele tem criação de abelhas no celeiro. O Breno, aquele menino da minha sala disse que o mel dele é bem mais gostoso do que ele compra no Apiário do urso Jardel...

-Ah, João... Eu tenho medo... Dizem que lá naquela fazendo morreu um capataz muito ruim que batia nos escravos. Um dia a nêga Ivone estava fritando carne de porco, aí o capataz chegou e quis bater na filha dela, então a nêga Ivone jogou gordura quente no rosto dele e fugiu com a filha. O lado do rosto que queimou, no lugar ficou uma cicatriz inchada, enorme, horrível e dizem que ele reaparece toda noite para se vingar daquela escrava...

- Ha, ha, ha, ha... Isso é lenda! Inventaram isso para ninguém roubar as rapaduras do avô do seu Teovaldo. Minha mãe falou que o avô dele fazia muitas rapaduras para vender, deixava no seleiro para secar e durante à noite sempre alguém ia lá e roubava tudo.

-Você tem certeza? – Conferiu Cael.

-Claro, juro de pé junto! – Fazendo o gesto, João Victor convenceu o amigo a ir com ele até aquela fazenda.

Seu Teovaldo tinha cinquenta e seis anos. Era homem saudável, forte e tinha algumas colmeias que era para vender na CooperAbel. Era a cooperativa da cidade que recolhia o mel de toda região. Teovaldo era bom homem, só não gostava de moleques abusados que ficavam pedindo toda hora para pegar o favo de mel. Quem recolhia o mel daquela fazenda, era um rapaz da cooperativa, pois seu Teovaldo não tinha a técnica para aproveitar todo o mel.

Os meninos estavam lá fora aguardando o momento exato de entrar no seleiro. Eram seis da tarde. No outono, a noite chega mais cedo. Mas, ainda restava um raiozinho de sol. Quando João Victor decidiu que era a hora de entrar, colocou a mão na tramela para abrir o celeiro, foi aí que apareceu a coisa mais assustadora...

O vulto de um homem forte veio saindo de dentro do celeiro, as mãos enormes e o rosto... O rosto desfigurado! João Victor quis gritar, mas a voz não saiu tão grande o susto. As pernas não lhe obedeciam a vontade de sair correndo dali. Então se lembrou da fala do amigo Cael:

“(...)-O lado do rosto que queimou, no lugar ficou uma cicatriz inchada, enorme, horrível e dizem que ele reaparece toda noite para se vingar daquela escrava...” – Teria Cael razão?

Não ia pagar para ver, reuniu as poucas forças e coragem que lhe restavam, passou perto do Cael feito furação dizendo:

- Corre Cael que ele quer vingança! Vai nos pegar!!!

Cael também viu aquele fantasma do capataz e estava branco qual cera! Os dois meninos saíram em velocidade de um supersônico. Só ficou poeira para trás...

Abrindo a porta da sala, a mulher do seu Teovaldo acende a luz de fora e comenta:

-Misericórdia, homem! Eu já não cansei de avisar para esperar o rapaz da cooperativa que ele tira o mel? Agora fica parecendo um monstro todo inchado picado de abelhas. Depois fica chamando os meninos de abelhudos! Abelhudo é você que mexe onde não deve...

Os pais de Cael e João Victor estão admirados sem entender por que os meninos, do dia para noite tomaram aversão aos antes concorridos favos de mel...

"Mas, eu sei o motivo... Ora que sei!" - Fica pensando seu Zé da pinga.






Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 02/03/2009
Alterado em 02/03/2009
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