SE NÃO FOR POR AMOR, NÃO VENCE...
-Vá se ferrar! – Gritou Pietro.
- Que isso, meu filho! Calma, vamos conversar... – Solange passava por maus momentos com o filho adolescente depois da separação. Ele a culpava por tudo. Pela separação, pelas notas ruins no colégio, pelas brigas que arrumava por onde ele fosse, por fazer uso da maconha, por beber excessivamente...
Ao mesmo tempo em que Solange se preocupava com o filho, ela estava mais interessada era com o seu bem-estar. Queria sair com o namorado, com as amigas, curtir a vida novamente de solteira, recuperar o tempo que dizia perdido quando esteve casada com o Zé. Por muitas vezes Solange fazia vista grossa para os deslizes do filho. Outras vezes passava-lhe as mãos na cabeça para que o filho Pietro apoiasse seu novo estilo de vida. Para usufruir da liberdade, permitia que Pietro vivesse à solta, sem rédeas ou regras. Não via ela que a liberdade sem responsabilidade pode ser perigosa...
***
Algum tempo depois quando Solange foi encontrar-se com uma amiga que não via há um ano. Enquanto almoçavam, Sol disse com arrogância para Glorinha:
- Nossa! Só você mesma para aturar um marido desempregado mais de quatro anos! A última “Amélia que era mulher de verdade” morreu faz tempo, querida! Acorda, viu?– Debochou Solange. E continuou:
- Você sabe, né? Há dois anos eu mandei o Zé pastar porque estava há um ano desempregado vivendo às minhas custas!
- Coitado, Sol... Ele sempre foi trabalhador, nem teve culpa da firma dispensá-lo. Aliás, não foi só ele, todos os funcionários com mais de dez anos na Empresa... Que acho uma injustiça! – Apiedou-se Glorinha.
- Ah... Mas, ficar um ano sem botar comida dentro de casa... "Comigo não, violão!" – Solange era puro sarcasmo.
- Você está sendo injusta, Glorinha! Ele vivia cobrindo você de ouro, de tudo bom, levava aos melhores restaurantes da cidade, até para outros países vocês já viajaram... Você tinha tudo de bom e do melhor, minha amiga. E não foi por falta do Zé procurar novo emprego, foi falta de oportunidades. Ninguém mais quer empregar pessoas com idade acima de quarenta anos. Se não for concurso público, mesmo assim alguns, o cidadão vai ficar desempregado mesmo! – Contrariou-se Glorinha.
- Querida, só sei de uma coisa... Separei e não me arrependo! Estou com a vida que pedi a Deus! E você? Olha só para você... Cadê aquela mulher elegante, fina que estava sempre bem cuidada? Quando vejo você sinto pena... Até a empregada da Ísis tem a aparência melhor que a sua. Eu não acredito que você possa viver junto com um homem desempregado por tanto tempo! Amor não resiste a falta de dinheiro, minha filha! Vai enganar outra! – Solange desferiu seus comentários sem importar se ofendia a amiga.
Com o olhar entristecido, porém, sem demonstrar estar abalada pelas palavras da amiga, Glorinha responde:
- Casamento, Sol, vai além do amor entre o casal... Passa pelo filho que não pediu para vir ao mundo, passa pela amizade e respeito entre o homem e a mulher, passa pela compaixão nesses momentos difíceis... E o amor, Sol, vai além do sexo e além da falta de dinheiro... Amor é algo grande. Grande suficiente para suportar esses momentos com serenidade e paciência. Se faltar amor, a amizade entra em cena para que eu segure a mão do Breno e não deixá-lo desmoronar. A paciência faz com que eu me silencie para não magoar aquele que sempre foi bom marido e pai. Não posso simplesmente tirá-lo da minha vida pela infelicidade da falta de um trabalho. Na verdade, Sol, acho que você é que nunca amou o Zé de verdade... – Glorinha falou emocionada.
- Amei sim, Glorinha! Amei até onde deu... Quando vi que ia ficar complicado para mim, achei melhor acabar com tudo. Pois, entre ele e eu, sou mais eu! Sempre.
- Tem mais uma coisa, Sol, você sabe que o Daniel está ficando um rapazinho, se eu me separasse do Breno, meu filho poderia se revoltar, começar a usar drogas, beber... Conheço muitos adolescentes que não conseguem superar esse momento e caem no vício. Amo demais meus filhos para vê-los sofrendo por uma fraqueza minha!
- Fraqueza? Fraqueza largar um fracassado? – Revoltou-se Sol por ter tomado as dores para si.
- Fraqueza por não apoiar o marido quando ele mais precisa de ajuda, de um ombro amigo! – A fala de Glorinha nessa hora foi incisiva. Estava cansada de ouvir aqueles ataques egoístas da amiga.
Por um momento, Solange silenciou-se e disse baixinho como que falasse com a consciência:
- Se eu tivesse sido mais compreensível e menos egoísta com o Zé, meu filho não teria sucumbido às drogas, às bebidas...
- O quê, Sol!? O meu afilhado Pietro viciado? Como isso foi acontecer? – Entristeceu-se Glorinha.
- Sei lá... Quando dei por mim, ele já estava agressivo, viciado, distante... Não o reconheço mais, parece que fez isso para me chantagear, para eu reatar com o Zé! Acontece que se for isso mesmo, ele perdeu o precioso tempo dele, não volto! – Enfatizou Sol.
- Sol, querida... Por favor, cuida do seu filho, resgate-o! Ele não usou drogas para chantageá-la, ele se envolveu com vícios para suprir a falta do pai, a falta da família. O Zé saiu de casa... Mas, foi você que abandonou o seu filho! Você deixou lacunas na vida dele... Além de tirar o pai que era seu grande amigo, você começou a sair com namorados, com amigos, deu liberdade demais para o Pietro numa idade em que o adolescente não está preparado para caminhar sozinho sem orientação. Você esqueceu-se de zelar pelo seu próprio filho, minha amiga... – Glorinha chorava muito.
Solange ouviu tudo sem protestar. No íntimo tinha noção de que tudo o que acabara de ouvir da amiga, apesar das durezas das palavras, era tudo verdade.
Glorinha conhecida bem a amiga. Suas palavras não surtiriam efeito de imediato, pois orgulhosa como era, Sol jamais admitiria os erros cometidos com o marido e com o filho.
-Sol, desculpa por falar o que vejo e o que penso sobre o Pietro. Sei que ninguém gosta de ouvir as verdades... Mas, há momentos em que precisamos aceitá-las. – Confortou Glorinha.
- É, Glorinha... Sempre invejei você... Você sempre foi mais forte e mais inteligente do que eu. Forte por saber passar por momentos difíceis e sair deles ilesa. Inteligente porque mesmo sendo ofendida, de alguma forma você vira o jogo e quem sai machucada é aquele quem quis ferí-la.
- Não, Glorinha! Não quis machucar você... Antes quis fazer ver o que você não via ou não queria ver. Quando estamos no erro não aceitamos que estamos errados. Por exemplo, Sol, a pessoa que bebe e fica alterada, não admite que não saiba beber. É difícil demais admitir um erro. Não por não se ter coragem. É que o erro nos cega de tal maneira que não admitimos, cremos que estamos certos, com a razão. Até o momento em que alguém tenha coragem de falar ou na pior das hipóteses, aconteça uma desgraça para nos tirar do “transe” da cegueira que o erro nos coloca.
- Será que ainda dá tempo de resgatar o Pietro, Glorinha? Será que vou conseguir? Você acha que ele tem jeito como filho e eu como mãe? – Secando as lágrimas, Sol perguntou.
- Claro, Sol! Essa vontade, esse desejo já é o primeiro passo! E tenha a certeza... Seu filho espera ansioso por esse seu regresso, esse seu resgate, esse seu carinho. Seja aquela mãe que sempre foi. Você pode não amar mais o Zé, agora o Pietro vai precisar do seu amor por toda vida. – Glorinha estava feliz por sentir que amiga, apesar de durona, mostrava sinais de arrependimento e amor pelo filho. Glorinha ainda disse:
-Sol, só mais uma coisa... Pode ser difícil, complicado resgatar um filho. Nunca impossível! Se você ama, você consegue. Aliás, desconheço quem não venceu não fosse por amor. Amor pelo filho, pelo marido, pelo trabalho, pelo estudo, pela escrita, pela leitura...
Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 23/02/2009
Alterado em 05/04/2009