Djanira Luz dj@
As Palavras Que Criam Vida...
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HOJE EU NÃO VOU MORRER!
Sentada ao fundo do ônibus, Zeli aos trinta e cinco anos, estava chateada. Muito. Quando recordava do que havia passado naqueles últimos dias então! Seu coração se enchia de ódio e aquele ódio nutria dentro dela uma gana. Sim, era isso! Ela precisava vingar-se daquela situação. No trajeto de volta a casa, ficou arquitetando em sua sórdida mente de mulher magoada, uma vingança. Estava mesmo saboreando aquele gosto doce da desforra...

Já passava das dezenove horas. Zeli estava há mais de uma hora dentro daquele transporte coletivo via Passeio/Barra da Tijuca. Apesar do certo conforto da Viação Pégasus, a distância entre o trabalho e sua casa tornava a rotina cansativa.

No trecho da Grota Funda, o motorista começa a reclamar da pista, dizendo que está escorregadia. Diminui a velocidade e avisa aos passageiros:

- A pista está cheio de óleo, vou ter que andar devagar para não derrapar.  Essa serra já é perigosa, escorregadia como está, então!

- Motorista... – Avisa uma jovem – Tem alguém fazendo sinal...

- Sinto muito, menina, mas é proibido parar fora do ponto.

- Tenha  dó, motorista! Os porteiros e empregadas domésticas sempre entram fora do ponto. Condução aqui é difícil... – Insistiu a jovem.

-É mesmo, seu motorista, eu mesmo já fiquei quase duas horas para pegar uma condução. Aqui ninguém pára pra gente... – Confirmou um senhor.

- Tudo bem, mas se for multado, divido com vocês o valor a pagar! – Brincou o motorista.

O motorista pára, abre a porta. Mas, é surpreendido por um assaltante que está portando um fuzil de assalto A-91, calibre 7,62mm que já vem equipado com um lançador de granadas de 40mm sob o cano... Uma verdadeira ameaça ambulante!

Um rapaz de, no máximo, vinte e cinco anos, moreno claro, cabelos cortados com máquina zero, olhos avermelhados e alucinados. Ele está visivelmente drogado e com aquela crueza no olhar vai gritando para os passageiros:

- Todo mundo pro fundo do ônibus, “porra”! Vai logo senão explodo essa merda agora mesmo!!!

As mulheres começaram com choros e “Ai, meu Deus!” --- “Minha Nossa Senhora!” --- “O sangue de Jesus tem poder!”--- “Nós vamos morrer!” --- “Pelo amor de Deus, rapaz!” --- “Tem granada, gente!” --- “Ela vai explodir!”

- Cala a boca suas vagabundas, antes que eu comece atirar em todos aqui dentro!!! – Vociferou o bandido.

Pressão, tensão, medo, terror, pavor. Era tudo isso naquele momento sinistro.

Aí, tia... – o assaltante foi dizendo para uma coroa elegante. – Vai tirando tudo de valor e colocando aqui na sacola e passa pro otário aí ao lado! – Referindo-se a um rapaz. Depois, olhando para o resto dos passageiros e gritou:

- Quero todo mundo tirando relógio, pulseira, cordão, celular, grana, mp3, todas essas "porras" e colocando na sacola aí!!! – O assaltante ia passando em revista em cada poltrona.

E começou a fazer tortura psicológica ameaçando:

- Vou explodir essa merda, vocês vão ver, seus desgraçados!!!

O que o assaltante não contava era com atitude da Zeli. Quando ela o ouviu dizer que explodiria o ônibus, teve uma reação inesperada:

- ESPERA AÍ, MEU FILHO... HOJE EU NÃO VOU MORRER!

“- Tu tá maluca, mulhé!!!??? Num tá entendendo que isso é um assalto???” – Surpreendeu-se o assaltante.

- OLHA AQUI, RAPAZ... HOJE EU NÃO VOU MORRER PORQUE TENHO QUE ME VINGAR DO MEU MARIDO QUE ME TRAIU E AQUELA SAFADA DA MÃE DELE ESTOUROU MEU LIMITE DO CARTÃO DE CRÉDITO! EU NÃO VOU MORRER PARA DEIXAR MOLE PARA ELES NÃO, ENTENDEU??? – Zeli gritando.

O assaltante ficou sem ação com a atitude inusitada daquela mulher. Ele parou por um instante tentando entender o que estava acontecendo e falou:

“- Pô aí... Aquele safado te traiu? Tô sabendo... Aeee, até que tu num é de si joga fora não... Tá enteirona, tá manero... Mô gata, aee!”

- OLHA A FALTA DE RESPEITO COMIGO, MOLEQUE! – Gritou Zeli.

“-IIhh, foi mal aí... Qual é, só quis dize... “– Desculpou-se o assaltante.

Assaltante armado até os dentes pedindo desculpas? Era esse o pensamento dos outros passageiros. Será que aquela mulher era cúmplice dele? Tratava-se de uma “armação”? Mas... De repente:

"- Aí, tia! Pode calar sua boca e vai sentando o “rabo” na poltrona, tá pensando que tô de brincadeira? Tá pensando que sou muleque?"

Em tom mais ameno, Zeli respondeu:

- Aahhh, faça-me o favor! Pára de palhaçada, rapaz! Você não tem vergonha de assaltar gente pobre? Olha à sua volta, o que vê? Gente coberta de ouro, de carro do ano, com cara de felicidade? Vai assaltar político ladrão, se quiser eu te dou endereço de um monte deles!!! Porque se você roubar deles, ainda assim vão continuar sendo ricos, entendeu? Eles têm de onde recuperar! A fonte deles não seca nuuunca!

O ônibus seguia e o assaltante começou a ficar confuso, indeciso, não estava digerindo bem aquela situação e a parolagem daquela mulher... Então falou:

“- Na boa... Aí... Tu disse umas coisas que mexeu cumigu... Tu é manera, eu vô descê e tu vai vivê pra se vingá daquele safado que ti traiu e da velha pilantra da mãe dele... - E virando-se para o resto dos passageiros, completou:

"- Mas ninguém olha pra trás num liga pros tiras, senão já sabe... Num vô livrá vocês de novo!"

-Só mais uma coisa, pára com essa mania ofender as mulheres chamando-as de "vagabunda"! Além de ofender, elas ficam mais nervosas. Seja civilizado... - Pediu Zeli.

"-Tá maneiro...Valeu!" - Respondeu o assaltante.

Olhou para o motorista e disse:

“- Abre aí, véio que vô nessa...”

Como um fantasma, aquele rapaz saltou do ônibus e sumiu pela mata numa rapidez que ninguém soube dizer para que lado havia partido.

- Mulher, não sei se te chamo de maluca ou de corajosa! – Disse uma moreninha.

- Olha, quando você começou a apelar com ele, entreguei minha alma pra Deus, pois sabia que aquela era minha hora... – Confessou aquela coroa elegante.

- Menina... Aquela arma dela não era brinquedo não!  Era uma A-91, calibre 7,62mm. Faz um estrago danado! Você não faz idéia! - Revelou o motorista.

- Vou confessar uma coisa... – Disse Zeli. – Foi a raiva daquele peste do meu marido que me deu coragem para fazer tudo isso. Talvez não estivesse viva se não agisse por impulso... Mas, vocês não sabem o que é pior de tudo nessa história...

- O que é, mulher, conta? – Falou um senhor de terno.

- O pior é que por conta da raiva pela traição do meu ex-marido, devo a minha vida aquela peeeste... Ôoo, droga!

-Fala sério, mulher!!! - Rebateu o motorista.




Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 18/11/2008
Alterado em 21/01/2009
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