Djanira Luz dj@
As Palavras Que Criam Vida...
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O PALHAÇO NO BANHEIRO - Da série ACONTECEU COMIGO!
        
          Quando seu Bené mudava de humor, descontava nos filhos. Abominava tê-lo como vizinho, de ouvir suas maldades com aquelas crianças. Aquele homem era ateu. Blasfemava, invoca o diabo para provocar a pobre da esposa. Aquela casa era o próprio inferno. Havia muito choro e ranger de dentes...

                                        ***

- Nossa mãe! Esse vizinho é horrível! Veja como trata os filhos.

- Pois é, Alex... Seu Bené fala tantos palavrões que acaba sendo tipo “ pára-raios” para o mal.  Fica atraindo coisa ruim. – comentou dona Yara.

- Raio que o parta! – Brinquei.

                                       ***

- Ah, seu moleque imprestável! Seu desgraçado... Faz tudo errado! Maldita hora em que você nasceu! Sai da minha frente  seu peste antes que eu parta sua cara!!! – praguejou seu Bené.

- Misericórdia, homem! Não amaldiçoe o próprio filho... – disse Neli amargurada.

- E você não se intrometa, sua miserável! É por sua causa que eles são desastrados!!!- vociferou Bené.


-Mãe... Não fala nada porque ele bate em você também... - implorou o filho caçula de seis anos.


Os  outros quatro irmãos assistiam aquela triste cena não rara. Aliás, volta e meia seu Bené tinha rompantes de ira, como se estivesse mesmo possuído por força maligna. Não havia explicação para isso. Ele não bebia, não fumava, não fazia uso de medicamentos. Nada. Haveria mesmo de ser do mal.


As crianças não podiam brincar com outras crianças; não podiam correr no quintal de casa; não podiam cantar, falar alto, gritar nem se fala! Não podiam se sujar.  Inacreditável! Não podiam fazer nada Além de estudar. Uma tortura, uma prisão, um inferno...


                                     ***

Por volta das 18:00 h

Um dia Sofia, que tinha nove anos, estava um pouco chateada de tanta opressão em sua casa. Quando sua mãe falou que ela fosse para o banho, a menina deu língua para a dona Neli.  Temos o hábito de descontar nossas frustrações nas outras pessoas, sobretudo nas que menos merecem.  Depois de algum tempo, mesmo contrariada, Sofia foi para o banheiro.

Quando entra no banheiro ela tem a impressão de ver alguma coisa atrás da cortina do box. Aproxima para conferir.  Apavora-se e dá um grito horripilante.
Dona Neli e as outras crianças vão socorrer a Sofia. Seu Bené está de plantão no hospital, onde trabalha como chefe de limpeza.


Embora não houvesse fechadura no banheiro, dona Neli não conseguia abrir a porta que parecia emperrada. Ela pediu nervosa para o filho mais velho:


- Corre lá, Neném e trás uma chave de fenda... Rápido!


O menino correu mais que pôde e voltou com olhos esbugalhados da correria e de preocupação com a irmãzinha.


- Mãe, que cheiro horrível esse que está vindo do banheiro? – pergunta o caçula.


-Parece enxofre... – a mãe responde com dúvidas.


Finalmente a mãe consegue abrir e assusta-se ao ver a menina desfalecida.

- Mãe... – pergunta Neném - pego o álcool?

- Sim, meu filho... Vai!

- Acorda Sofia! O que aconteceu, meu Deus? – diz dona Neli tentando reanimar a filha.

- Aqui, mãe o álcool. – fala Neném para a mãe.

Sofia desperta e começa a chorar e a gritar abraçando fortemente dona Neli.

- Veja mamãe, tem um palhaço horrível com o braço dando soco para a senhora, ele está dando língua mãe pra senhora... – chorando desesperada, um tanto confusa a menina vai falando.

-Mãe me tira daqui, esse palhaço demônio quer matar a senhora! Vamos mãe!!!

-Vamos, meu bem... Fica calma, foi só um susto. – tranqüiliza dona Neli.

Dona Neli  olhou atrás da cortina, verificou o basculante, o piso do chão, mas não havia nada que revelasse a presença de alguma pessoa. A não ser pelo forte odor de enxofre e exalava pelo ar. Dona Neli ainda verificou a casa à procura de algum vestígio que justificasse a presença de algo ou alguém e... Nada.

Os meninos estavam assustadíssimos. Pudera! Um cheiro forte de enxofre invadiu a casa. Eles bem sabiam que enxofre significava a presença do demônio. Seu avô muitas vezes contou histórias em que a aparição do ser das trevas era precedida pelo cheio do enxofre...

                                                          ***
É noite.

Aquele dia foi difícil pôr as crianças para dormir. O jeito foi todos dormirem no quarto da dona Neli. Ainda bem que seu Bené estava de plantão.

Sofia pediu para que a família fizesse uma prece. As crianças rezaram juntas, abraçadas.

                                                             ***
Amanheceu.

- Que bom que hoje é sábado. Podemos brincar, não é Sofia? – falou o caçula.

- Tenho medo... – respondeu a menina.

- De ver de novo o palhaço no banheiro? – concluiu Heron.

- Aham – confirmou Sofia.


A mãe veio e verificou se a menina estava febril. Não estava. Então, carinhosamente tomou a menina em seus braços e falou-lhe:

- Você quer conversar com a mamãe sobre o que aconteceu ontem no banheiro, meu bem?

Sofia olhou para mãe meio que se encolhendo, aconchegando mais para perto da mãe, como se quisesse ficar na posição fetal, de maneira que subconsciente talvez, sentisse mais protegida daquela forma.

- Mamãe, preciso pedir desculpas pra senhora... – falou com tristeza.

- Desculpa? Pra mim? Você não fez nada... – disse mansamente dona Leni.

- Não que a senhora tenha visto... – disse com remorso.

- Então diga, meu bem. – disse disfarçando a curiosidade.

- Ontem estava zangada porque papai briga, bate, xinga e não deixa a gente fazer nada – Sofia suspirou fundo numa pausa e continuou – e quando a senhora falou para eu ir para o banho eu mostrei a língua nas suas costas...

Sofia começou a chorar, mas logo a mãe consolou:

- Ah, menina... Deixa disso. Foi errado, mas tenho certeza de que não fará mais, estou certa?

- Sim, mamãe. – disse dando um beijo na mãe como sinal de perdão.

- Mamãe... Eu vi mesmo um palhaço horrível no banheiro. Tinha olhos de fogo e da boca no lugar da língua saíam cobras e lombrigas; tinha um corpo enorme com uma roupa toda preta. Era fedorento, um cheiro que eu não conhecia. Depois que a senhora entrou, ele ficou dando soco e mostrando a língua na sua direção... – contou atrapalhada a menina.

- Minha filha, eu acredito no que agora me revela. Bem sabemos que seu pai é um homem amargurado e vive maldizendo a Deus. Esta casa está carregada de maldições, palavrões, ódios, mágoas. Por isso que devemos evitar fazer coisa ruim, pois isso dá força para o mal. O mal se alimenta e cresce com essas atitudes negativas que temos quando nos afastamos da Luz Divina, entendeu?

- Sim, mamãe. Luz Divina é Jesus?

- É Jesus na nossa fé. Em outras religiões tem outra denominação.

- Ah... Entendi.

                                ***

Aquela família por muitos anos foi atormentada pelo diabo.

De outra vez, a irmã do meio, a Íris,  disse ter visto uma boca enorme de palhaço voando pela casa. Ela teve uma crise, chegando a ser hospitalizada.

O irmão mais velho, o Neném, numa tarde estava estudando na varanda e viu um balão enorme descendo no quintal.  Preocupado que caísse e em cima da casa velha onde morava; pegou um bambu que servia para estender o varal, foi para debaixo do balão negro que descia vagarosamente. Quando estava a poucos menos de um metro do chão o balão girou e apareceu uma cara enorme de palhaço mostrando uma língua cheia de serpentes como dissera um ano antes a irmã Sofia.

Tomado de pavor, Neném gritou  e tentou acertar o balão que desapareceu misteriosamente da frente de seus olhos incrédulos com que havia acabado de ver...

                         ***

Eu gostava demais de palhaços quando menina; depois que assisti a uma reportagem sobre a vida deles e um dos entrevistados revelou que ele só fazia graça no palco, desencantei. Na vida real, o  palhaço revelou que só tinha motivos para chorar. Fiquei arrasada. O homem da entrevista tinha as feições amargas, rudes. Aquelas palavras destruíram toda a fantasia que trazia em mim da imagem do palhaço bonzinho e alegre.   Diante dessa revelação triste e com os fatos presenciados acima com aquela família vizinha, já não gosto de palhaços. Eles têm duas caras. É por isso que o mal usa a personagem do palhaço para atrair crianças. Pois, aparentemente são engraçados, mas no fundo ninguém conhece seu verdadeiro lado oculto que está bem escondido atrás da maquiagem e do seu nariz vermelho ...

                                       ***

Aos palhaços que amam o que fazem; que o fazem por alegria e amor às crianças, estes eu admiro e respeito, como amei o maior e eterno palhaço: O CAREQUINHA que muito me alegrou na minha doce infância. Carequinha conseguiu arrancar deliciosas e sonoras gargalhas de mim.

                            ***

A família da Sofia nunca mais foi ao circo depois dos três episódios relatados acima. Tinham receio de entrarem em choque pelo pavor da lembrança negativa. Ainda hoje, mesmo depois de adultos, ninguém da família se atreve a ir ao Mc Donald’s...



E você... Também sente medo de palhaços!!!???











Djanira Luz
Enviado por Djanira Luz em 03/10/2008
Alterado em 02/03/2009
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